quinta-feira, novembro 02, 2006
Chef Pâtissier Keiko Nagae
Vejo poucos programas na TV japonesa mas alguns assisto sem falta, como o programa Ururun Sekai Taisaku que já comentei algumas vezes no Pecado da Gula. Um programa sobre artistas iniciantes que viajam para os mais diversos países e convivem durante uma semana com uma família local, aprendendo alguma atividade e interagindo até nos problemas familiares.
Há duas semanas atrás, enquanto assistia a este programa, durante os intervalos, apareceu a chamada para o programa seguinte "Jonetsu Tairiku" (numa tradução livre, Continente de pessoas apaixonadas pelo que fazem). Nele, aparecem personalidades japonesas de destaque nas mais variadas áreas. Naquele domingo, foi sobre Keiko Nagae, uma chef pâtissier de apenas 32 anos.
Bom, falou em doces, receitas e já logo presto atenção no assunto. Fiquei muito interessada pelo programa daquela noite. Primeiro por ser uma mulher, num universo predominantemente masculino e segundo, pela sua pouca idade.
O programa encontrou Keiko em Paris onde dá aulas na renomada escola de culinária Le Cordon Bleu e onde trabalha no restaurante do luxuoso Hotel Lancaster, localizado num prédio discreto próximo aos Champs Elysees. A cozinha do La Table du Lancaster é comandada pelo estrelado chef Michel Troisgros e Keiko chefia o setor de sobremesas. O menu do restaurante muda quatro vezes por ano a cada estação. A carta de sobremesas de outono conta com 7 ítens sendo que uma é sempre uma nova criação. O programa encontrou Keiko ocupada com a nova sobremesa, uma nova versão do célebre Mont Blanc, um doce em forma de domo recoberto com creme de castanhas.
Críticos e clientes do restaurante se desdobravam em elogios aos doces criados por Keiko. A quantidade de açúcar na medida certa, decoração minimalista e impacto de texturas e sabores foram algumas das qualidades citadas.
Os clientes entrevistados degustavam uma bavarois de macha que lembrava uma obra de arte. Uma placa de caramelo em quadrado se equilibrava sobre a bola de bavarois. Doce e amargo, duro e mole, quente e frio, tudo na mesma sobremesa.
Todas as novas sobremesas, para entrar no menu, precisam passar pelo crivo de Troisgros. Tudo é estudado minuciosamente, desde a escolha de ingredientes, texturas e até o prato de servir. Keiko ficou em dúvida entre 3 pratos: um ovalado em forma de canoa, um branco redondo com bordas vazadas e outro branco com discreto desenho em relevo nas bordas. Ela acabou escolhendo este último. Montou a sobremesa várias vezes, testando cada uma e sempre achando que faltava mais alguma coisa. Um de seus assistentes disse que já estava perfeito, talvez uma bola de sorvete de marron complementasse a sobremesa. Keiko achava que faltava uma estrutura dura no doce. Da maneira como o doce estava montado, ele se desmanchava todo na boca. Acrescentou, então, uma fina placa de caramelo no topo do doce.
Na primeira prova, o chef elogiou bastante o uso de cassis no doce mas ainda faltava algo mais. Ela trabalhou mais um pouco sobre o doce e o resultado final foi uma sobremesa batizada como Mont-Fuji à la mousseline de marrons et au cassis. Um doce montado da seguinte forma: um molho de cassis espalhado cuidadosamente na base onde será montada a sobremesa, uma placa de massa folhada, uma camada de creme de marron em toda a volta da massa folhada usando pico pitanga e no centro mais molho de cassis, uma placa de massa folhada, uma camada de creme amarelo que penso ser creme de castanhas portuguesas, mais uma placa de massa folhada, uma camada de creme chantilly, uma placa de chocolate branco, uma fina placa de caramelo levemente curvada numa das extremidades, uma pequena decoração com chantilly em forma de monte com folhas finíssimas de ouro. Para se ter uma idéia, encontrei neste blog uma imitação desta sobremesa.
O entrevistador pergunta à Keiko qual a diferença entre um chefe de cozinha e um pâtissier. Ela pensa um pouco e responde "detalhismo". Todas as receitas precisam ser cuidadosamente pesadas, cortadas, nem uma grama a mais, nem um milímetro a mais. Um erro deste tipo já compromete toda a receita. Uma virtude que se reflete na mulher Keiko Nagae. Tanto é que o programa mostra seu apartamento espantosamente arrumado, nas prateleiras, as louças meticulosamente arrumadas como numa loja de decoração. As câmeras flagram também ela sendo um pouco mais rude com uma das assistentes. O entrevistador lhe diz que não entende francês mas só pelo tom de voz já deduziu que estava dando bronca na assistente. Ela responde que profissionalismo é muito importante, que é muito amiga de todos os assistentes. Fora da cozinha. Dentro, ela não quer que a amizade interfira nas ordens e deveres que precisam ser cumpridos.
Tanta perfeição, será que ela teve alguma dificuldade alguma vez?, pergunta o entrevistador. Keiko responde que tinha muito complexo de suas massas folhadas, elas se esfarelavam completamente ao serem cortadas. Pesquisou e experimentou várias receitas até chegar à atual que leva nada mais nada menos que 5 dias para ficar pronta!
Fiquei admirada com Keiko também pelo fato dela não ter escolhido esta área desde o começo. Ela se formou em Direito e ao passar férias em Paris resolveu estudar Pâtisserie no Le Cordon Bleu. Formada, logo encontrou emprego numa famosa confeitaria de Paris e acabou mudando totalmente seu destino.
Ela se despede muito gentil do entrevistador à porta do Hotel Lancaster. Nem preciso dizer que adorei, não?
Pesquisei na net se havia alguma receita dela mas encontrei apenas este Tiramisu. Parece igualmente delicioso. Alguém se habilita?
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13 comentários:
akemi, que delícia de história! não consegui parar de ler enquanto não cheguei a fim do post!
Do jeito que os japoneses são metódicos e desde cedo preparados para enfrentar duras críticas sem mover um músculo, imagino que as assistentes devem sofrer um pouco, principalmente sendo de um país ocidental!
bjs, miki
Há muitos japoneses fazendo sucesso na confeitaria e cozinha francesas! Dê uma olhada no site do Sadaharu Aoki as blogueiras francesas o adoram! Os doces parecem divinos!
Adorei ler este post Clarice. Gostaria muito de ver o trabalho desta moca.Devo estar indo a Paris antes do Natal..SE for vou visitar este paraíso.Depois te conto.
Ola Akemi sou eu de novo...e com mais uma pergunta...fiz a receita do pão de queijo que vc citou de um famoso restaurante do Brasil, mas ao assar os meus paes eles ficaram com a aprecia de derretido (parecia com cookiee), será que é por causa da grande qtd de queijo? O seu ficou firme?
Se quiserpode me responde peloemail...marina.takahahsi@uol.com.br
Beijos
Marina
Miki, que bom que gostou do post, pena a entrevista ter sido tão curtinha (30 min), mas valeu a pena!
Karen, imagino mesmo que deva existir muitos confeiteiros e chefs de cozinha japoneses fazendo sucesso pelo mundo. Mas acho que pela própria maneira de ser discreta do japonês eles não fazem muito alarde do seu trabalho. Obrigada pela dica do link, que tentações aqueles doces!!! Hummm!
Valentina, se vc puder ir conferir os doces dela, POR FAVOR, conte-nos TODOSSSS os detalhes! Seja nossos olhos e nossas bocas!! rsss
Que delícia ir a Paris! Seria um sonho para mim!
Marina, fiquei na dúvida quanto ao seu mail é takahasi mesmo ou takahashi?
Os meus pães tbm ficaram esparramados na assadeira, mas segunda a Karen, se vc modelar os pães em forma de rolinhos e colocá-los de pé na assadeira, eles vão ficar com melhor aspecto. Ainda não tentei a técnica, mas acho que vai funcionar. Bjs!
Eu tenho um recorte( de revista) de Mont Blanc servido em um restaurante em Sampa. Sem brincadeira, por pouco nao como o papel.Esta mulher parece agregar o perfil do pessoal da área: meticulosíssima.
Akemi, eu assistia um programa no food network chamado The Iron Chef. era uma batalha de chefes japoneses. eu adorava, achava que aquilo refletia muito a cultura japonesa, muito legal. nao assisto mais porque passa num horario inviavel pra mim, as 11pm. os americanos fizeram a versao deles, mas ficou uma droga... como tem chefe japones pelo mundo, hein? e eles sao um primor! beijao,
Akemi, que post bacana de ler!
Acho fascinante o trabalho de um pâtissier - coisa mais linda.
No livro do Pierre Herme tem o plasir sucrè, que é um doce parecido com esse, na montagem. Maravilhoso, tb. Já pensei em tentar fazer, mas não me senti atrevida o bastante.
Muito talentosa essa moça, sucesso a ela - e obrigada por nos apresentar algo tão bacana!
Renata, depois nos conte qual é esse restaurante! A mulher é fera mesmo!
Fer, eu adorava este programa!!!! Mas aqui ele já acabou faz alguns anos, infelizmente! Achava um barato os chefs terem que preparar vários pratos em apenas uma hora com um ingredientes proposto pelo programa! Não sabia que existe a versão americana!
Pat, é uma profissão que me fascina muito! Gosto muito de ficar sabendo destes processos, pq a gente só vê mesmo são os doces no balcão, ne?
Vivianne, depois nos conte como ficou este tiramisu!
Mas que história! Le Cordon Bleu... desculpa aí... heheh, Cinco dias para a massa ficar pronto, haja paciência e dedicação. =O
Fiquei com vontade de ver o programa, deve ser um deleite.
Comi uma Tiramisu numa cantina italiana em SP, não gostei muito da preparação. Parece que não usaram Mascarpone, apenas chantilly no preparo. =/
Ja ne! o/
Vitor, foi uma reportagem ótima! Adorei! Pena que só tenha um resumo da entrevista na página do site! Obrigada pela visita e pelo comentário! Jya ne!
Obrigado pelo seu post. Foi realmente delicioso de ler. eu também sou um apreciador de culinária e cozinheiro domingueiro. Nas poucas experiências que tive com doces passei a valorizar os especialistas, e passei a entender a precisão das receitas da Mari Hirata.
Obrigado + uma vez.
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